Memórias da Ditadura

Estudantes

O movimento estudantil foi um dos principais protagonistas da luta contra o regime militar no Brasil. Inconformados com o autoritarismo e a repressão, muitos estudantes tiveram a coragem de enfrentar as forças repressoras, dispostas a massacrar jovens idealistas e contestadores, ou qualquer um que simpatizasse com ideias consideradas subversivas. Lutavam por um mundo melhor e mais justo, para tornar realidade seus sonhos revolucionários, defendiam a liberdade e os direitos humanos.

Participação central dos estudantes no cenário político

Os estudantes foram uma das principais forças de oposição à ditadura no Brasil porque ousaram se contrapor às leis repressivas e mostraram uma grande capacidade de mobilização social. O movimento estudantil realizou manifestações, passeatas e atos públicos, organizou debates, congressos e jornais clandestinos. Articulou-se muitas vezes com outros segmentos da sociedade. Os estudantes agitaram profundamente a cultura nacional, batalharam pela conscientização e pelo engajamento da juventude brasileira.

Em diversos momentos, tiveram que atuar na clandestinidade. Foram massacrados pela polícia em diferentes ocasiões, reprimidos brutalmente, como os demais movimentos de oposição. Muitos militantes foram presos, torturados, feridos e mortos em confrontos com os militares. Vários dos líderes estudantis acabaram se enveredando pela luta armada, na tentativa de depor o governo. Outros foram obrigados a se exilar. Eram vistos pelo regime como uma ameaça à segurança nacional, como um mal a ser cortado pela raiz. Alvo de sucessivas tentativas de desarticulação por parte do governo, o movimento soube se reinventar e se reorganizar.

Mesmo antes da ditadura, os estudantes já tinham um papel de destaque na política brasileira. A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi um dos principais agentes de oposição ao golpe militar que, em 1961, tentou impedir a posse de João Goulart na presidência da República. Os estudantes transferiram sua sede para Porto Alegre, onde o governador Leonel Brizola comandava a resistência pela rede da legalidade, formada pela Rádio Guaíba de Porto Alegre e por outras emissoras do país. Empossado, o presidente Goulart visitou a UNE e também recebeu os dirigentes estudantis em seu gabinete.

Num período de efervescência política, lutaram intensamente pelas reformas de base de Jango, que contrariavam os interesses da elite brasileira. Uma das reformas previstas era a educacional, que pretendia garantir o acesso à educação básica para todos e mais universidades. Às vésperas do golpe, a entidade participou da Frente de Mobilização Nacional em defesa do governo de Jango, junto com parlamentares e sindicalistas.

O movimento estudantil também foi responsável por uma intensa agitação cultural no país. No começo dos anos 1960, a UNE reforçou sua ação nesse campo, com a criação do Centro Popular de Cultura (CPC)O Centro Popular de Cultura era uma entidade ligada à UNE, mas com autonomia em relação à entidade. Surgiu por volta de 1962, como um braço de agitação cultural, para consolidar uma consciência nacionalista e revolucionária junto às massas estudantis e trabalhadoras. O CPC foi extinto junto com a UNE, em 1964, mas manteve seu núcleo de ação no Grupo Opinião, formado após o golpe. e da UNE VolanteA UNE Volante foi uma experiência de levar a agitação cultural da UNE para várias cidades brasileiras, procurando, sobretudo por meio do teatro, mobilizar as massas estudantis em torno da reforma universitária, uma das reformas de base propostas por Goulart., ambos com o objetivo de promover a conscientização popular através da cultura, mostrar a situação de exploração do povo brasileiro e chamar a atenção para a necessidade de sua transformação, por meio de poesia, música, teatro.

Mas a UNE também tinha sua pauta estudantil específica. Debateu a reforma universitária no país, realizando dois seminários nacionais para discutir esse tema, um em Salvador e outro em Curitiba. Neste último, publicou a Carta do Paraná, para reivindicar a participação dos estudantes nos órgãos colegiados, na proporção de um terço, nos estatutos das universidades. Os estudantes queriam direito a voz e voto.

A partir da luta pela reforma universitária, foi decretada uma greve geral nacional que paralisou a maior parte das quarenta universidades brasileiras da época. Os estudantes ocuparam durante três dias o prédio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), no Rio de Janeiro, mas foram duramente reprimidos. A sede da UNE foi metralhada pelo Movimento Anticomunista (MAC)O MAC foi formado no início dos anos 1960 por policiais, militares e civis anticomunistas, para realizar atentados contra organizações e movimentos de esquerda. Além dele, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), formado em 1963 nos meios estudantis, com apoio de policiais, foi bastante atuante. , grupo terrorista de extrema direita.

Uma semana antes do golpe militar, o presidente da UNE na época, José Serra, discursou no comício da Central do Brasil. A direção da entidade também elaborou um manifesto lido na Rádio Nacional que, junto com outros políticos, como Rubens Paiva, convocava os estudantes universitários a uma greve geral de apoio ao presidente Jango. O documento denunciava os militares golpistas e defendia a democracia brasileira.

Primeiros golpes no movimento (1964-1968)

UNE na clandestinidade

Em 1º de abril de 1964, já no dia do golpe civil-militar, a UNE foi atacada duramente. Sua sede, na Praia do Flamengo, foi criminosamente incendiada por grupos de extrema direita. Os militares logo mostraram sua indisposição com o movimento estudantil e editaram a Lei Suplicy de Lacerda, que colocou na ilegalidade a UNE e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs). Todas as entidades de representação estudantil ficaram submetidas ao regulamento do MEC. A UNE foi para a clandestinidade e alguns de seus diretores precisaram sair do país.

Mas a luta continuou. Em 1965, mesmo na ilegalidade, a UNE convocou uma greve que teve a adesão de mais de 7 mil alunos e paralisou a Universidade de São Paulo (USP). Foram organizadas passeatas nas principais capitais contra a Lei Suplicy de Lacerda, duramente reprimidas. A extrema violência da tropa de choque em Belo Horizonte desencadeou passeatas em outros estados. Os estudantes lançaram uma campanha contra os acordos MEC-UsaidO acordo MEC – USAID (sigla em inglês para a agência estadunidense para o desenvolvimento internacional) visava adaptar a estrutura burocrática e curricular das universidades brasileiras no sentido de transformá-las em centros formadores de quadros para a modernização capitalista em curso, com foco num ensino tecnicista. que, sob influência dos EUA, previam a reforma universitária com a privatização das universidades.

A entidade máxima dos estudantes se reorganizou precariamente após o golpe de 1964 e fez seu 28º Congresso na clandestinidade, em junho de 1966, no porão de uma igreja em Belo Horizonte. Nele, o mineiro Jorge Luiz Guedes foi eleito presidente da UNE e no mesmo ano liderou a “setembrada”, uma série de protestos contra o ensino pago, por mais vagas nas universidades e contra a repressão.

Foi nesse momento que os estudantes entoaram pela primeira vez desde o golpe as palavras de ordem “abaixo a ditadura militar” em suas passeatas nas ruas do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Em resposta, cerca de 600 estudantes foram cercados pela polícia dentro do prédio da Faculdade de Medicina, na Guanabara. Os policiais invadiram o local e promoveram um espancamento generalizado, episódio que ficou conhecido como “Massacre da Praia Vermelha”.

Os estudantes não se intimidaram e realizaram o 29º Congresso da UNE, novamente na clandestinidade, em agosto de 1967, com o apoio de parte da igreja católica, num convento na cidade de Valinhos, em São Paulo. O paulista José Luís Travassos foi eleito presidente da entidade. O movimento estudantil se reorganizou nas universidades e nas escolas secundárias, em todo o país, constituindo-se como a principal força de oposição à ditadura militar.

Assassinato de Edson Luís

O ano de 1968 no Brasil ficou especialmente marcado por grandes manifestações de rua organizadas pelo movimento estudantil contra a ditadura, que se tornava cada vez mais truculenta na repressão aos estudantes e à sociedade em geral. Foi um ano de intensa ebulição social, liderada por esse movimento.

No dia 28 de março daquele ano, a morte de um jovem sacudiria o país. O secundarista Edson Luís foi assassinado a tiros pela PM durante uma passeata contra o fechamento do restaurante estudantil Calabouço, no centro do Rio de Janeiro. O corpo do jovem, ensanguentado, foi transportado por seus companheiros revoltados até a Assembleia Legislativa, onde ficou exposto. A cena de um jovem morto chocou e causou profunda comoção entre boa parte da população brasileira. Edson Luís, presente!

A cidade se inflamou. Seu cortejo fúnebre reuniu 50 mil pessoas indignadas. Passeatas se repetiram por várias outras cidades e a revolta se espalhou pelo país. Na missa de sétimo dia, a cavalaria da PM se abateu sobre as pessoas, aumentando a revolta. A partir de então, as manifestações de massa ganharam outra magnitude, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, onde a população começou a aderir às passeatas e aos confrontos com a polícia.

Os estudantes voltaram às ruas na Guanabara em junho de 1968. Povo sim, ditadura não, declaravam cartazes nos protestos. A brutal repressão da PM que se deu naquele dia escandalizou novamente parte da população, que se juntou aos manifestantes. O centro da cidade assistiu ao que foi talvez o maior combate de ruas de sua história. Durante cerca de seis horas, desenrolou-se o confronto que ficou conhecido como “Sexta-Feira Sangrenta”, com quatro mortos e muitos feridos, inclusive policiais.

Cinco dias depois a população retornou às ruas para realizar a maior manifestação de massas do período, a “Passeata dos Cem Mil”, em apoio aos estudantes e contra a repressão policial. A ela se seguiram outras no Brasil todo. Abaixo a repressão, diziam os manifestantes.

O famoso congresso de Ibiúna

Para o governo militar, essas manifestações eram muito ameaçadoras e foram terminantemente proibidas em julho de 1968. A tensão só aumentou. Em outubro, a polícia invadiu o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, no interior de São Paulo, e prendeu 1.240 estudantes.

Clandestino, o congresso estudantil debatia como a ditadura devia ser enfrentada. Duas grandes correntes se digladiavam: lutar junto com o movimento de massas, dando ênfase às formas pacíficas, ou aderir ao chamado da luta armadaDiscurso de Vladimir Palmeira: “Pessoal, a gente é a favor da violência quando ela é aplicada para fins maiores. No momento, ninguém deve usar a força contra a polícia, pois a violência é própria das autoridades, que tentam por todos os meios calar a voz do povo. Somos a favor da violência quando, através de um processo longo, chegar a hora de pegar nas armas. Aí, nem a polícia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura, poderá deter o avanço do povo." Publicado originalmente em www.vladimirpalmeira.com.br, já iniciada por muitas correntes de esquerda.

Os moradores de Ibiúna, cidade que à época tinha apenas 6 mil habitantes, começaram a desconfiar de jovens desconhecidos que iam ao centro comprar pão, carne, escovas e pasta de dentes. A polícia foi atrás do sítio e cercou os estudantes. Mais de duzentos policiais chegaram ao local e dispararam rajadas de metralhadora para o ar. Sem resistir, os militantes foram colocados em fila e levados em ônibus para presídios na capital e no interior.

Toda a liderança do movimento foi presa: José Dirceu, presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundários, entre outros. Posteriormente, numa reunião fechada, com representantes estudantis de todos os estados, foi eleito como presidente o carioca Jean Marc Van Der Weld.

UNE somos nós, nossa força, nossa voz. Sob esse lema, ações de solidariedade se deram em vários estados. As reivindicações resultaram na liberação da maioria dos estudantes presos. Ao serem soltos, inúmeros aderiram às diversas organizações que estavam entrando no caminho da luta armada.

Batalha da Maria Antônia

O clima de agitação política e cultural era muito intenso, impulsionado pela situação política brasileira revoltante e por acontecimentos internacionais, como os de Maio de 1968 na França, que só animavam os jovens dispostos a reverter a ordem opressora.

A rua Maria Antônia, na região central de São Paulo, era conhecida como local de encontro dos jovens, sempre envolvidos em discussões políticas e culturais nos bares. Mas, em meio a esse clima de festa, uma tensão pairava no ar. Lá estavam localizadas a Faculdade de Filosofia da USP, cujos estudantes eram ligados à UNE, e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, com integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Foi em outubro de 1968 que aconteceu a famosa batalha entre esses estudantes de posições ideológicas opostas. Os alunos da USP resolveram cobrar pedágio para custear o Congresso da UNE, o que irritou os do Mackenzie, que atiraram ovos. Os estudantes da USP revidaram, desencadeando uma verdadeira batalha campal. Esse confronto tomou uma dimensão maior, com direito a rojões, foguetes, coquetéis molotov e tiros.

Escalada da repressão (1969-1975)

Refluxo do movimento estudantil

Ato Institucional Nº 5 (AI-5), decretado em dezembro de 1968, foi um passo decisivo no endurecimento do regime militar e acabou por sufocar o movimento estudantil. Prisões, torturas e mortes se tornaram frequentes. Assim, a atuação política dos estudantes foi ficando cada vez mais inviável no país.

O AI-5 foi levado para dentro das escolas pelo Decreto-lei 477 que proibiu por três anos a matrícula de 245 estudantes considerados subversivos e intimidou outros tantos. Os jovens organizados ofereciam uma grande ameaça à ditadura. Nesse período, o presidente da UNE, Jean Marc, foi preso e torturado no Centro de Informações da Marinha (Cenimar) e só foi libertado com outras 69 pessoas na troca pelo embaixador suíço sequestrado, em 1971, quando foi banido do país.

Quem assumiu a presidência da entidade foi Honestino Guimarães, estudante de Geologia na Universidade de Brasília (UnB). Depois do AI-5, ele tinha entrado para a clandestinidade e desde o início de 1969 vivia em São Paulo. Ele fazia parte da organização clandestina Ação Popular (AP) e já tinha sido preso algumas vezes desde que começara sua militância. Permaneceu como presidente interino da UNE até 1971 quando foi eleito presidente durante o congresso daquele ano, no Rio de Janeiro.

Em outubro de 1973, assim como Jean Marc, também foi preso por agentes do Cenimar, mas nunca mais foi visto. Honestino se encontra até hoje na lista de desaparecidos políticos. Assim como ele, outros membros da diretoria foram presos e mortos nessa época. A possibilidade de atuação dos estudantes parecia ter se esgotado. Em 1973, a UNE resolveu suspender suas atividades por decisão de três diretores sobreviventes.

Nesse lamentável contexto, o movimento estudantil universitário buscou diferentes formas de atuação e de sobrevivência, a depender de cada realidade. Em muitos lugares, como na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e todos os centros acadêmicos (CA) foram fechados, restando aos estudantes somente as representações por turma. Na USP, o grande pilar do movimento durante esse tempo foi o Conselho dos Centros Acadêmicos.

Nesses anos de recrudescimento do regime militar, o movimento estudantil foi uma base de apoio à guerrilha urbana. Diversos militantes e líderes das entidades estudantis também faziam parte de grupos de luta armada como a AP, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e a Aliança Libertadora Nacional (ALN). Os estudantes continuaram sua luta de diversas formas, não mais apenas no movimento estudantil.

A repercussão da morte de Alexandre Vannucchi Leme

Era 1973 e, mesmo sob uma terrível repressão, os estudantes buscavam cautelosamente reorganizar suas entidades. Havia um grupo que buscava recompor o DCE da USP. Entre eles estava Alexandre Vannucchi Leme, conhecido como “Minhoca”, que cursava Geologia e era integrante do grupo de luta armada ALN. Ele foi preso, torturado e morto por agentes do DOI-Codi quando tinha apenas 22 anos. A versão oficial é de que morreu por atropelamento.

Sua morte teve enorme repercussão no país. Cerca de 5 mil pessoas, na maioria estudantes, compareceram à missa por sua morte sob tortura. Rezada por D. Paulo Evaristo Arns, foi a primeira manifestação de massas após o AI-5. Dias antes da missa, Gilberto Gil fez um show na Escola Politécnica da USP também em protesto contra o assassinato de Alexandre.

Aliás, shows e atividades culturais eram mais uma forma de expressão e protesto dos estudantes. Não eram passeatas, mas eles estavam reunidos e contestando, ainda que de forma disfarçada, indireta. Nesse período, qualquer reunião era suspeita. Por isso, os estudantes também aproveitavam os encontros anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para promover debates e fazer articulações clandestinas em nível nacional.

Em 1975, os estudantes começaram novamente a se articular e a organizar manifestações. Naquele ano, compareceram em grande número ao ato ecumênico na Catedral da Sé em memória do jornalista Vladimir Herzog, também assassinado no DOI-Codi paulista em outubro de 1975. Cerca de 8 mil pessoas estiveram lá, mesmo com a ostensiva presença da PM no entorno da catedral. Vários setores da sociedade estiveram presentes e o evento foi considerado um marco do início do processo de redemocratização.

Reconstrução do movimento e redemocratização (1976-1985)

O movimento estudantil conseguiu aos poucos se recuperar das tentativas de silenciamento, com um árduo trabalho de reconstrução de suas organizações. Mobilizou novamente os estudantes, voltou às ruas, e expôs suas reivindicações pelo ensino público e gratuito e pelas liberdades democráticas.

Em meados dos anos 1970, no bojo da reestruturação do movimento, organizações e partidos clandestinos passaram a ter representantes nas chamadas tendências estudantis. Organizações trotskistas saíram à frente e fundaram a corrente “Liberdade e Luta”, conhecida entre os estudantes como Libelu. Em seguida o PC do B deu origem à “Caminhando” e organizações de luta armada, como a Ação Popular (AP), o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), a Ação Libertadora Nacional (ALN) e a Ação Popular Marxista Leninista (APML), deram origem à “Refazendo”.

A Refazendo se constituiu, então, como principal força d

entro da USP, vencendo as duas primeiras eleições para o DCE em 1976 e 1977. As “tendências” estudantis dos anos 1970 mantinham o projeto socialista, mas seus caminhos eram diversos, informados por tradições teóricas diferenciadas. Para os trotskistas, a ação junto ao movimento operário era fundamental para transformar a luta econômica sindical numa consciência política mais nítida, na direção de um levante de massas. Organizações mais ligadas ao PCB, MR8 e PC do B apostavam em alianças entre estudantes, operários e setores da burguesia nacional. A esquerda católica herdada da AP enfatizava a construção de uma autonomia das bases como forma de garantir o enraizamento do movimento na sociedade.

Em maio de 1976, os estudantes criaram o DCE Livre da USP Alexandre Vannucchi Leme, com 12 mil votos de adesão, ignorando a legislação da ditadura que proibia a articulação das entidades estudantis. E assim foi acontecendo em várias outras universidades brasileiras, onde surgiam tendências estudantis que se articulavam nacionalmente.

Era reconhecida naquele momento a importância da integração, da articulação e da união para o enfrentamento do regime militar e de todas as suas inúmeras violações de direitos humanos. Mesmo sob repressão, foram realizados o primeiro e o segundo Encontro Nacional dos Estudantes. Neles eram debatidas questões de natureza política para a resistência à ditadura, assim como assuntos internos das universidades.

Desde o início de 1977, o movimento estudantil mostrou que vinha renovado e com mais força. Em 30 de março daquele ano, ocorreu a primeira passeata dessa nova etapa. Cerca de 3 mil estudantes caminharam do campus da USP até o Largo de Pinheiros, driblando o cerco policial. Era um ato de muita coragem!

Em maio de 1977 oito estudantes foram presos pelo Dops de São Paulo. Em protesto, uma greve de 24 horas envolveu 80 mil estudantes de diversas universidades, entre elas USP, PUC, Unicamp, Federal de São Carlos e Unesp. Recomeçava a articulação estudantil em São Paulo.

Na véspera do 1º de maio, os órgãos de segurança receberam uma denúncia anônima que levou à prisão de três estudantes que transportavam panfletos de convocação para as manifestações do Dia do Trabalho. Disso se desdobraram novas detenções de estudantes da USP, da PUC e da Federal de São Carlos. Essas prisões deflagraram manifestações pela cidade, que depois se espalharam pelo país, nos chamados “protestos de maio”.

No dia 3 do mesmo mês, 5 mil estudantes, professores, sindicalistas, artistas e padres fizeram um ato na PUC de São Paulo. Unidos ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e à Organização dos Advogados do Brasil (OAB), criaram o Comitê 1º de Maio pelo fim das prisões e pela anistia.

Dois dias depois os estudantes organizaram uma passeata em São Paulo que seria a mais expressiva da época. Dela participaram cerca de 10 mil estudantes de diversas partes do Estado. No Viaduto do Chá, no centro da cidade, a passeata foi impedida de avançar por viaturas da polícia militar. Apesar do cerco, os estudantes distribuíram cerca de 30 mil panfletos que continham uma carta aberta à população, com os seguintes dizeres:

“Hoje, consente quem cala: basta às prisões; basta de violência. Não mais aceitamos mortes como as de Vladimir Herzog, Manoel Fiel Filho e Alexandre Vannucchi Leme. (…) Porque não mais aceitamos as mordaças é que hoje exigimos a imediata libertação dos companheiros presos (…). É por isso que conclamamos todos, neste momento, a aderirem a esta manifestação pública sob as mesmas e únicas bandeiras: fim às torturas, prisões e perseguições políticas (…). Anistia ampla e irrestrita a todos os presos, banidos e exilados; pelas liberdades democráticas”.

Nesse período havia um planejamento cuidadoso para que os estudantes pudessem ir às passeatas e enfrentar a repressão. Eles se organizavam em grupos pequenos, disfarçados, para aos poucos irem se aproximando dos locais dos protestos sem serem percebidos. Foram muitas as passeatas-relâmpago. Combinava-se um lugar na cidade e assim que era dado o comando todos se dirigiam para lá. Assim acontecia uma manifestação que era imediatamente dispersada pela cavalaria da PM. Em seguida, em outro lugar, ocorria outra passeata-relâmpago.

Alguns estudantes ficavam de plantão para dar retaguarda aos manifestantes. Eles levavam um número telefônico escondido e, caso vissem algum colega sendo preso, ligavam para o esquema de segurança que imediatamente iria acionar a OAB e parlamentares. Não se podia correr o risco de alguém ser preso sem testemunhas e vir a desaparecer.

Em solidariedade aos estudantes de São Paulo, aconteceram protestos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Armando Falcão, ministro da Justiça na época, proibiu as passeatas. Entre maio e agosto foram organizados três dias nacionais de luta, sempre reprimidos brutalmente, mas ao mesmo tempo se estendendo a outros estados.

A Carta aos Brasileiros foi lida no Largo São Francisco, em agosto, pelo professor Goffredo da Silva Teles. Com o apoio de cem juristas, ele defendeu a volta ao Estado de Direito. Em seguida, 7 mil estudantes fizeram uma passeata pelo centro sem sofrer repressão. O isolamento político da ditadura se ampliou.

Em Brasília, o reitor suspendeu 16 alunos em resposta a uma passeata. Isso detonou uma greve geral na UnB. Pelas liberdades democráticas, diziam as faixas do movimento grevista. A PM invadiu o campus, ocorreram novas suspensões, prisões e um recesso escolar. Os protestos se espalharam por outros estados.

Em 1977 o 3º Encontro Nacional Estudantil, marcado para acontecer na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi proibido pelo ministro da Educação, Ney Braga, por ser considerado “inteiramente ilegal”. A universidade foi invadida pela PM e pelo Dops e 800 estudantes foram detidos.

Os organizadores resolveram, então, transferir o encontro para São Paulo em setembro daquele mesmo ano. O coronel Erasmo Dias, secretário de Segurança, mandou cercar o campus da USP. Mas as lideranças do movimento estudantil conseguiram enganar a repressão. Sessenta delegados, vindos de sete estados, se reuniram clandestinamente numa sala do prédio novo da PUC e realizaram o encontro para consolidar a reorganização da entidade. Criaram uma Comissão Pró-UNE enquanto 1.500 outros estudantes despistavam a polícia reunindo-se em outro salão na USP.

Vitoriosos, os estudantes anunciaram uma comemoração naquela mesma noite no teatro da PUC, o Tuca. O coronel Erasmo Dias se vingou e, esbravejando, comandou a invasão da universidade, detendo 3 mil pessoas, entre estudantes, professores e funcionários. A PM lançou bombas, espancou militantes e agiu com truculência.

Houve feridos, incluindo cinco alunas gravemente queimadas por bombas. Ao final, 37 estudantes foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Foi um episódio dramático e violento, mas também bastante simbólico na luta pela democracia. A cada ato descabido de repressão aos movimentos sociais a ditadura se enfraquecia.

Em 1978 os estudantes realizaram mais dois Dias Nacionais de Luta, engajaram-se nas manifestações pela anistia e prepararam o retorno da UNE. O movimento estudantil voltava a mostrar sua força.

Foram mais de 10 mil participantes, de vários estados brasileiros, para o 31º Congresso da UNE que ocorreu em Salvador, em maio de 1979. Muitos ônibus vindos de tantos locais levavam faixas com palavras de ordem. “Viva a UNE”, “A UNE somos nós, nossa força nossa voz”, “abaixo a ditadura”, reiteravam. Foi o congresso de reconstruçãoDepoimento de Thaís Sauaya, estudante que participou do Congresso de Reconstrução da UNE, em Salvador: “Na ansiedade esfuziante, não diferíamos muito dos ônibus de excursão do ginásio, nem daqueles das torcidas de futebol. No entanto, tínhamos consciência de que aquele era um momento histórico: discutíamos com paixão o socialismo, a guerrilha, a ditadura, os rachas nas organizações clandestinas, os professores, as relações afetivas, o aborto, a falta de grana, o amor livre, morar sem os pais, as drogas, o cinema, Marx, Lênin, Engels, Trotsky, Stálin, Brecht, Chaplin, Glauber, Vittorio de Sica... enfim, o mundo”. Thais Sauaya Pereira, da diretoria do Centro Acadêmico da Faculdade de Química da USP, em crônica publicada no site da Fundação Cásper Líbero relatando sua ida de ônibus para o Congresso de reconstrução da UNE em Salvador. Uma viagem de 50 horas. da entidade que convocou eleições para outubro. Cinco chapas participaram e venceu a Mutirão. O presidente passou a ser Ruy César Costa e Silva, da Universidade Federal da Bahia.

O 31º Congresso aprovou o programa para os anos seguintes. Entre as principais bandeiras estavam: lutar contra o ensino pago, por mais verbas para a educação, reivindicar a anistia, ampla, geral e plena, fomentar a filiação de entidades de base (diretórios e centros acadêmicos), lutar por uma Assembleia Constituinte, soberana e livremente eleita, e defender a Amazônia – início da consciência da preservação ambiental.

A UNE buscou se reorganizar em todo o país, reativar as entidades estaduais, as UEEs, os centros acadêmicos. Nesse período, as atividades estudantis estiveram mescladas ao movimento político em geral, com o apoio a greves operárias e de outras categorias, como a dos professores, atuando junto a movimentos populares e comunitários. Eles ajudaram na reorganização partidária, contribuindo com a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e a campanha pelas Diretas Já (1984-85).

Embora tenham sido os estudantes a ponta de lança das lutas por liberdades democráticas e a faceta pública do protesto político contra o regime, o movimento sindical e os movimentos populares acabaram assumindo um protagonismo maior no final do regime.

Ao longo de toda sua luta os estudantes deixaram claro que sabiam que, para haver transformações profundas na sociedade brasileira, era importante a participação das outras classes em sua luta e sua própria participação na luta de diversos outros segmentos da sociedade. Os estudantes estavam presentes em manifestações nas periferias contra a carestia. Atuaram ao lado de trabalhadores nas manifestações de primeiro de maio. Caminharam ao lado dos movimentos de mulheres. Foram solidários a diversos movimentos de resistência. E, já no fim da ditadura, marcaram presença nas lutas por anistia.