Memórias da Ditadura

Teatro

O teatro feito durante o regime militar, apesar de ter tido menos público do que o cinema e a música popular, propiciava o encontro físico com a plateia, que muitas vezes comungava os valores críticos à ditadura. A classe teatral esteve entre os principais alvos da repressão, mesmo na fase inicial da ditadura, quando as liberdades individuais dos artistas estavam razoavelmente garantidas.

Política, crítica social, experimentalismos e humor

Arte feita em presença do artista e em contato direto com o público, o teatro, por si só, desafiava os tempos de isolamento, individualismo e silêncio impostos pelo regime. Depois de 1968, com o acirramento da censura, as companhias mais engajadas tiveram dificuldade de sobreviver.

Apesar disso, foi também um período de experiências teatrais plurais, todas de alguma forma fornecendo práticas e reflexões críticas ao contexto autoritário. Fez-se teatro engajado realista, comédia de costumes, dramas familiares, teatro de vanguarda, teatro amador, teatro musical, teatro com temáticas jovens e contraculturais. De todas as artes, o teatro talvez tenha sido a que mais se pautou pela diversidade em busca de novos e velhos públicos.

Pouco depois do golpe, ainda em 1964, artistas ligados ao extinto Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE realizaram, no Rio de Janeiro, o espetáculo Opinião, dirigido por Augusto Boal e produzido pelo Teatro de Arena. Era a primeira reação de impacto organizada pela arte engajada contra a ditadura. Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia), João do Vale e Zé Kéti intercalavam canções de fundo político com narrações sobre os problemas sociais do país, num texto escrito por Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes.

Em grupos mais alinhados à esquerda, como o Oficina e o Arena, o teor político das discussões sobre os rumos do Brasil avançavam para o interior do teatro, transformando também o fazer teatral, as maneiras de montar um espetáculo. Nas experiências do Arena com a direção de Augusto Boal, a relação ator-texto foi mudada. Sob influência do teatro de Bertolt Brecht, os atores conquistaram força e liberdade, propondo interpretações que problematizavam o efeito de realidade da encenação e a identificação da plateia com os personagens.

Mais tarde, a reviravolta atingiu a relação palco-plateia. O Oficina se notabilizou por quebrar a parede imaginária que separava esses dois elementos: os atores avançavam sobre o público, provocando-o e incitando-o à ação, muitas vezes de maneira agressiva.

Depois do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), diretores, atores e autores de teatro foram presos. José Celso Martinez Corrêa e Augusto Boal precisaram se exilar. Depois de passar pela Argentina e por Portugal, foi na França que Boal consolidou seu método, o Teatro do Oprimido, cujo objetivo era a democratização dos meios de produção teatral, a transformação social e a conquista de possibilidades de expressão por qualquer pessoa. As raízes do Teatro do Oprimido estão na experiência de Boal no CPC no início da década de 1960, nas encenações junto aos trabalhadores das Ligas Camponesas.

Nos anos 1970, apesar da censura, o teatro voltou a ser um importante espaço de crítica política e social, com a volta do teatro alinhado ao realismo dramático. Destacam-se, nesse sentido, os espetáculos Um grito parado no ar (Gianfrancesco Guarnieri), Rasga Coração (Oduvaldo Vianna Filho), Gota D’Água (Paulo Pontes e Chico Buarque), e Último Carro (João das Neves). Nessas peças, de grande sucesso, o teatro engajado propunha uma reflexão sobre a modernização capitalista brasileira garantida pela repressão política e pela exclusão das classes populares.

Mas o teatro dos anos 1970 também foi marcado pelo surgimento de grupos jovens, influenciados pelas vanguardas e pelo humor, tentando ir além do realismo dramático engajado. Grupos como Ornitorrinco e Asdrubal Trouxe o Trombone seguiam esse caminho.

Outra linha, menos conhecida, foi a tentativa de muitos grupos teatrais de estabelecer conexão com a cultura popular, propondo um teatro amador e politizado, a partir das periferias das grandes cidades brasileiras. O exemplo mais duradouro desta linhagem é o grupo União e Olho Vivo, fundado em 1970, e ainda atuante.