Caetano Veloso

Inquieto. Muito antes de se firmar como um dos pilares do tropicalismo ou esculhambar a platéia que o vaiava num show histórico de 1968, enquanto cantava “É Proibido Proibir“, Caetano Veloso já era um rapaz inquieto. Foi essa inquietude natural que o levou a abandonar a faculdade de Filosofia e partir de Salvador rumo ao Rio de Janeiro em 1965. Maria Bethânia, sua irmã quatro anos mais nova e também cantora, fora convidada para substituir Nara Leão no show Opinião, um marco daqueles tempos, e Caetano decidiu acompanhá-la.

No mesmo ano, Bethânia lançaria um compacto que tinha como carro-chefe a canção que marcaria sua passagem pelo Opinião, “Carcará“, de João do Vale e José Cândido, e, no lado B, uma composição de Caetano: “De manhã“. Ele, que já fazia shows na Bahia, alguns ao lado de Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé, agilizou também a gravação de um compacto seu e, já no segundo semestre, atuou no musical Arena Canta a Bahia, dirigido por Augusto Boal, em São Paulo.

Pouco a pouco, impulsionado pelos festivais nos quais se inscreveria todos os anos a partir de 1966, Caetano foi conquistando terreno, sempre inquieto. Passou a teorizar sobre os caminhos da música brasileira, a dar entrevistas, a criar polêmicas em torno das assimilações que propunha, pagando tributo à bossa nova, aos Beatles, à efervescência do iê-iê-iê. Estreou em LP em julho de 1967, dividindo o álbum Domingo com Gal Costa, e, em outubro, apresentou num festival aquela que viria a ser uma de suas músicas mais famosas, a precursora do tropicalismo “Alegria, Alegria“.

De todos os artistas que mergulharam no movimento no ano seguinte, Caetano foi quem melhor soube capitalizá-lo. Autor de seis das nove faixas inéditas gravadas no disco Tropicália, que ainda vinha com três canções consagradas, bem como da canção homônima que não faz parte do disco, Caetano projetou-se como líder e teórico do grupo, como se os demais apenas orbitassem ao redor. Ao longo de toda sua carreira, incluindo os dois anos que morou em Londres, exilado junto com Gil, Caetano manteria sua inquietude e a mesma disposição de quando fez Tropicália para assimilar estilos, mesclar tradições e surpreender a todos, equilibrando-se entre o brega e o sofisticado, o velho e o novo, o popular e o erudito.

"Caetano Veloso 70 anos", documentário em que Caetano narra os principais episódios de sua vida

frases

  • "Dotado de uma implacável lucidez crítica, de uma intuição quase divinatória para as coisas novas, Caetano foi o primeiro a ver claramente, quando postulou, em 1966, a 'retomada da linha evolutiva de João Gilberto', num momento em que a MPB voltava a assumir uma empostação retórica e nacionalóide. (...) Foi também Caetano o primeiro a chamar a atenção precisamente para Jimi Hendrix e Janis Joplin, quando ninguém ainda os conhecida entre nós. Compositor, poeta e intérprete — um 'iluminado' em qualquer dessas dimensões artísticas — Caetano não é importante apenas para a música popular brasileira. Suas criações desbordam do gênero 'música', espécie 'popular', para invadir domínios mais amplos, pondo por terra todas as distinções entre a arte dita erudita e a outra. (...) O movimento deflagrado por ele e por Gil coloca a nossa música popular, definitivamente, sob o signo da experimentação e da aventura." (Augusto de Campos, no artigo "Não ao não", de 1971, publicado em "Tropicália: 20 anos", do SESC, de 1988).

    "Pelo que compôs, cantou e aprontou, não só naquele ano como depois, Caetano Veloso figura na categoria do '68 que não terminou'. Na cultura, talvez nenhum outro artista ou personagem tenha permanecido tão em evidência esse tempo todo, criando belas músicas, mas também provocando, despertando polêmicas e falando quase sem parar sobre tudo que lhe perguntam — política, patente de remédio, 'a gente chata da USP', Plano Real, reforma ortográfica, prostituição infantil, crise energética e até música. Nada lhe escapa, e nem deixam que lhe escape. Quando um jornalista está sem manchete liga pra ele." (Zuenir Ventura, em "1968: O que fizemos de nós", de 2008).

    "Caetano Veloso é, certamente, uma das mais "inexplicáveis" personalidades brasileiras. Não apenas por ser um artista polêmico e camaleônico, cuja força sempre esteve na capacidade de escapar às classificações e desautomatizar chaves convencionais de interpretação, mas também por se tratar de alguém que não cansou de se auto-explicar ao longo dos seus quarenta anos de vida artística (iniciada em 1965), a ponto de parecer esgotar tudo o que de novo se poderia dizer a seu respeito." (Guilherme Wisnik, em "Folha explica Caetano Veloso", de 2009).