Chico Buarque

Considerado o mais produtivo e engajado compositor de músicas de protesto, dono de um talento especial para despistar a censura, Chico Buarque foi também um dos autores mais perseguidos pelos censores, a ponto de, convencido de que nenhuma de suas letras seria liberada, lançar um álbum apenas com gravações alheias no calor de 1974. Ou melhor, quase todas alheias. Uma delas, “Acorda Amor“, era de sua lavra, embora escondida sob o pseudônimo de Julinho de Adelaide, uma estratégia para tentar emplacar seu material. Não deu outra: “Acorda Amor” foi liberada, embora narrasse uma cena cada vez mais comum nos anos de chumbo: a chegada da polícia no meio da madrugada para prender um subversivo. “Se eu demorar uns meses / convém às vezes / você sofrer / Mas depois de um ano eu não vindo / põe a roupa de domingo / e pode me esquecer”.

A jornada de Chico contra a repressão começou em 1968, quando pesavam contra ele ter participado da Passeata dos 100 Mil, em junho, e de ser o autor da peça Roda Viva, que causara furor na montagem do Teatro Oficina. Na temporada paulistana, membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram o teatro e espancaram os atores.

Bastou isso para que, na semana seguinte à publicação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), o coautor de “Sabiá” (com Tom Jobim), vencedora do 3º Festival Internacional da Canção, fosse levado ao Ministério do Exército para prestar depoimento. Em janeiro de 1969, embarcou com a mulher, Marieta Severo, para um festival na França e ficou mais de um ano na Europa, esperando a poeira baixar. “Quando voltar, volte fazendo barulho”, recomendou Vinícius de Moraes, para que ninguém “desaparecesse com ele”.

Ao longo da década de 1970, Chico comporia muitas canções de protesto. Depois de “Samba de Orly” (1969), feita com Toquinho na Itália, foi a vez de “Apesar de Você” (1970): “Hoje você é quem manda / falou, tá falado / não tem discussão”. Proibida, pôde ser gravada apenas em 1978, junto com outro petardo, composto e vetado em 1973: “Cálice“, uma parceria com Gilberto Gil. Nos shows, o artista se acostumou a tocá-las no violão para que apenas a plateia as cantasse. O veto se restringia às letras, não dizia respeito à versão instrumental.

Em “Jorge Maravilha” (1974), também assinada por Julinho de Adelaide, Chico ousou intuir a festa da desforra com o verso “nada como um dia após o outro dia”. Em “Tanto Mar” (1975), louvou a Revolução dos Cravos portuguesa. Em “Meu Caro Amigo” (1976), alfinetou a censura aos correios. Em “Angélica” (1977), homenageou Zuzu Angel, mãe do estudante Stuart Angel, morto sob tortura. Nos anos 1980, ele voltaria a se engajar na campanha pelas Diretas, participando de comícios.

Chico e Gil apresentam a música "Cálice" no festival Phono 73. Com a letra censurada, são instruídos a apresentar apenas a versão instrumental. Em nítida desobediência civil, Chico cantarola a letra e tem o microfone desligado.

Chico Buarque conta como era fazer música na ditadura

Maria Bethânia entrevista Chico Buarque no programa Vox Populi, de 1979

frases

  • "Ter participado da Passeata dos 100 Mil foi umas das acusações que pesaram contra Chico quando baixou, meses depois, o negrume do AI-5. O pesadelo começou logo em seguida à decretação do ato, naquela sexta-feira 13 de dezembro. Foram cinco, seis dias de angústia, em meio a informações cada vez mais preocupantes. 'Você está numa lista', vinham prevenir os amigos. Por volta de 18 de dezembro, finalmente, já não se lembra com exatidão, ele acordou com a polícia dentro de casa. Os homens só não invadiram o quarto porque seu Jacinto, o zelador do prédio, embora apavorado, não permitiu. Chico foi levado, às sete da manhã, num carro do Dops com chapa fria, para o Ministério do Exército, na avenida Presidente Vargas. Marieta, grávida de seis meses da primeira filha, Sílvia, saiu atrás, dirigindo meio em braile pela lagoa Rodrigo de Freitas — com 6,5 graus de miopia em cada vista, na afobação ela se esquecera de pôr as lentes de contato." (Humberto Werneck em "Chico Buarque: Tantas Palavras", de 2006)

    "Ele não é apenas um extraordinário artista popular. É o mais significativo gesto cultural deixado pela geração que por volta de 1964 tinha 20 anos e começava a aparecer. De todos eles, compositores e cantores, Chico foi quem melhor soube aproveitar as dificuldades e desafios de uma época para instaurar uma estética, elaborar uma estilística e forjar uma estratégia própria para, com elas, construir uma obra que, pela qualidade e pela quantidade, dificilmente encontra paralelo mesmo nas outras artes do país." (Zuenir Ventura, em 1976)

    "Para o Brasil, é uma coisa muito boa ter um Chico Buarque. Ele é um gênio da raça, depositário da cultura popular brasileira. Grande poeta, grande músico, grande letrista, grandes escritor, grande tudo." (Tom Jobim, em 1994)

    "Eu o respeito muito, afinal o Chico é nosso avô" (Tom Zé, no auge da rivalidade entre tropicalistas e os compositores de músicas de protesto, nos anos 1960).