Clara Nunes

Nem Elis Regina, nem Maria Bethânia, nem Gal Costa. Foi Clara Nunes a primeira cantora a bater a marca de 100 mil discos vendidos, por muito tempo perseguida pelas gravadoras. O feito se deu em 1974, com o LP Alvorecer. Num só golpe, ela não apenas ultrapassou 100 mil como triplicou o recorde, somando 312 mil cópias vendidas em um ano. O álbum ultrapassaria a marca de 600 mil cópias com a venda residual nos anos seguintes. Tal proeza se deveu em grande parte ao carro-chefe “Conto de Areia“, samba com jeito de ponto de umbanda de autoria de Romildo Bastos e Toninho: “É água no mar / é maré cheia, ôi / mareia, ôi / mareia…”.

Mineira de Paraopeba, após quase dez anos dedicados a uma carreira errática, durante a qual cantara boleros e canções românticas antes de descobrir os sambas de raiz, Clara Nunes encontrava o maior filão de sua carreira. Outros sambas litorâneos, ligados ao sincretismo religioso e com forte influência das religiões afro-brasileiras, viriam em seguida.

Já no disco de 1975, Claridade, repetiria o sucesso do ano anterior com “O Mar Serenou”, de Candeia (“O mar serenou / quando ela pisou / na areia / quem samba na beira do mar / é sereia”) e “A Deusa dos Orixás“, novamente de Romildo e Toninho (“Yansã, cadê Ogum? / Foi pro mar / Yansã penteia / os seus cabelos macios / quando a luz da lua cheia / clareia as águas dos rios”). Nos shows e nas capas dos discos, Clara costumava vestir branco e, quase sempre, mantinha os pés descalços, reforçando a imagem de umbandista, religião à qual de fato se converteria, ampliando a influência que os cânticos exerciam sobre sua música.

Ainda em 1975, Clara se casou com Paulo César Pinheiro, um dos mais importantes e prolíficos letristas da MPB, o que contribuiu para aproximá-la de canções com maior densidade literária, embora jamais tenha abdicado dos sambas de roda e de morro, nem dos clássicos do cancioneiro de Caymmi e Gordurinha, que ela já entoava desde o início da década. É de Paulo César Pinheiro, entre outras, a letra de “O Canto das Três Raças“, gravada no disco homônimo de 1976: “Ninguém ouviu / um soluçar de dor / no canto do Brasil / (…) E de guerra em paz / de paz em guerra / todo o povo desta terra / quando pode cantar / canta de dor”. Chico Buarque compôs “Morena de Angola” especialmente para ela, em 1980.

Apelidada de Sabiá e portelense por adoção, Clara Nunes morreu em 1983, aos 40 anos, em decorrência de complicações após uma aparentemente simples cirurgia para retirada de varizes da perna.

Videoclipe de "O Mar Serenou", lançada em 1975. Clara Nunes com o figurino que se tornou marca registrada nos discos e shows: vestido branco, pés descalços e guia no pescoço.

Clipe de reportagens veiculadas na TV por ocasião de sua morte, em 1983

frases

  • "Era uma vez uma sambista de perfil popular e de sucesso gigantesco, que — talvez por isso — nunca contou com a devida atenção dos mais "elitizados" e, morta prematuramente, cada vez menos teve lembrada sua contribuição àquela coisa chamada MPB. (...) Sua utopia foi a da integração, a do congraçamento, a da 'brasilização' em vez da corrente globalização. Se tal projeto faliu ou não, é coisa que todo sambista deve perguntar ao travesseiro toda noite." (Pedro Alexandre Sanches, na Folha de S.Paulo, em 1997)