João Bosco & Aldir Blanc

Foi Sérgio Ricardo, autor da trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol — mais conhecido por ter quebrado o violão no Festival da Record de 1967 — quem sugeriu a O Pasquim o projeto Disco de Bolso. A cada mês, viria encartado no semanário um compacto simples, com duas músicas inéditas. O lado A seria dedicado a um artista renomado, enquanto o lado B lançaria um artista-revelação. O primeiro número aportou nas bancas em maio de 1973. De um lado, Tom Jobim apresentava “Águas de Março“. Do outro lado, um desconhecido chamado João Bosco cantava a primeira parceria dele com Aldir Blanc: “Agnus Sei“.

Foi uma surpresa e tanto, admitida no encarte pelo próprio Tom, que tecia elogios a João. O protesto estava ali, nas entrelinhas, como não poderia deixar de ser. “Ah, como é difícil tornar-se herói / só quem tentou sabe como dói”, dizia a letra do carioca Aldir. Dois anos antes, Elis Regina, maior lançadora de compositores da época, gravara uma canção de Aldir com o parceiro César Costa Filho. Agora, dias antes do lançamento do Disco de Bolso, Aldir a procurara novamente para mostrar o novo repertório, feito com João Bosco, um mineiro de Ponte Nova que conhecera no Rio, em 1970. Ela não apenas aprovou como reservou “Bala com Bala” para gravar. A canção surgiu em disco, pela voz de Elis, na mesma época em que o compacto d’O Pasquim chegava às bancas. Era novidade demais para o jovem João.

Com Aldir Blanc, formado em medicina e com especialização em psiquiatria, as melodias de João ganhavam sustança. Com João Bosco, os versos de Aldir ecoavam mais longe. Elis não se dava nunca por satisfeita, ansiosa por novidades. No disco de 1973, gravou quatro canções da dupla. Outras três esperariam o álbum de 1974 para alcançar as paradas: “O Mestre-Sala dos Mares” (“Glória / a todas as lutas inglórias / que através da nossa história / não esquecemos jamais”), “Caça à Raposa” (“Ah, recomeçar, recomeçar / como canções e epidemias”) e “Dois pra Lá, Dois pra Cá“.

Todas essas, mais “De Frente pro Crime” e “Kid Cavaquinho“, entre outras, foram reunidas, em 1975, no segundo LP de João Bosco, Caça à Raposa. A dupla manteve a parceria até o final dos anos 1980, compondo em 1979 aquela que se tornou a canção síntese da luta pela anistia: “O Bêbado e a Equilibrista“, novamente na voz de Elis.

Trechos do programa MPB Especial, com João Bosco e Aldir Blanc, exibido pela TV Cultura em 1974

frases

  • "No fim dos anos 1960, João não escapou das turbulências pelas quais passava o país. O regime militar endurecia e, de fora, começavam a chegar, por meio dos discos de Beatles e Jimi Hendrix, uma nova gama de possibilidades musicais (...). Só o que faltava a João Bosco era um parceiro, alguém que pusesse em palavras aquilo que sentia com a música. Certo dia, em 1970, o rapaz foi para o Rio de Janeiro, travar contato com a cena musical da cidade. E eis que o amigo Pedrinho o apresentou a Aldir Blanc, carioca que João já tinha viso na TV uma vez, recebendo um prêmio num festival universitário de música. (...) Em pouco tempo, lá estavam os dois saindo juntos pela cidade e fazendo contatos imediatos com aquele universo de samba, cerveja, sinuca, futebol, morros e jornais populares que retratariam em suas canções mais célebres." (Sílvio Essinger, no encarte da versão remasterizada do CD Caça à Raposa, volume 22 da coleção Grande Discoteca Brasileira, de 2010)

    "Aldir Blanc, carioca do bairro do Estácio e médico especializado em psiquiatria, encontrou-se com João Bosco, mineiro da cidade de Ponte Nova e estudante prestes a se formar engenheiro civil. Aldir foi fazer letra. João foi fazer melodia. A parceria 'Bala com bala' fez sucesso na voz da madrinha Elis Regina. Os quixotes sentiram-se fortes para abandonar a psiquiatria e a construção civil em benefício dos moinhos de vento da MPB. (...) Pós-CPC e pós-tropicália, o poeta Aldir tateava uma moldura sarcástica e agressiva na cinematográfica 'Bala com bala': 'O tempo corre e o suor escorre, vem alguém de porre, há um corre-corre/ e o mocinho chegando/ dando.' Era apenas o primórdio de um imaginário satírico que se tornaria cada vez mais direto, popular, suburbano, brasileiro. Concluída a década de 1970, a MPB estava povoada – por Aldir e João – de piratas, mulatas, sereias, farofa, cachaça, baleias. Boias-frias, pais de santos, paus-de-arara, passistas, flagelados, pingentes, balconistas, palhaços, marcianos, canibais, lírios, pirados. Sinais adquiridos em quedas de patins em Paquetá e torturantes pontas de band-aid no calcanhar." (Pedro Alexandre Sanches, em reportagem no Portal Fórum, em 2012)