Mercedes Sosa

Curiosamente, Mercedes nasceu no mesmo dia (9 de julho) e na mesma cidade (San Miguel de Tucumán) onde havia sido assinada, em 1816, a Independência da Argentina. Foi, ao longo de toda sua carreira, defensora inconteste da independência, não apenas de sua pátria como de todos os trabalhadores, amealhando a alcunha de “voz dos que não têm voz”.

Signatária do “Manifiesto del Nuevo Cancionero”, formulado e divulgado em Mendoza, em 1963, tornou-se o mais expressivo nome do movimento deflagrado por ele. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, regravou diversas músicas do conterrâneo Atahualpa Yupanqui e da chilena Violeta Parra, conhecidos pelas canções folclóricas que registraram.

Sua estreia em disco aconteceu em 1961, mas foi com o LP Canciones con fundamento, uma coletânea de canções folclóricas argentinas, que Mercedes foi aclamada pela crítica, em 1965, carimbando o passaporte para excursionar pelos Estados Unidos e pela Europa em 1967. Dessa viagem, herdou o apelido La Negra, referência à origem autóctone, filha de índios (e não de negros).

Dona de um repertório multinacional, que reunia as principais canções de protesto do Uruguai, da Argentina e do Chile, Mercedes participou de discos em diferentes países, e consolidou sua presença na música latino-americana como a voz mais difundida no continente ao longo dos anos 1970.

Sua fama no Brasil foi construída a partir de 1976, quando gravou a canção “Volver a los 17“, de Violeta Parra, em dueto com Milton Nascimento, no LP Geraes. Nos anos seguintes, fez participações especiais em discos de Chico Buarque, Fagner, Caetano Veloso, Beth Carvalho e Daniela Mercury, entre outros, e incluiu em seu repertório canções brasileiras como “San Vicente” (Milton Nascimento e Fernando Brant) e “Cio da Terra” (Milton Nascimento e Chico Buarque).

Perseguida após o golpe militar que conduziu o general Jorge Videla ao poder, naquele mesmo ano de 1976, La Negra chegou a ser presa e revistada no palco, durante um show, em 1979. Exilou-se em Paris e em Madri antes de retornar a Buenos Aires, em 1982.

Continuou em atividade até morrer, em 2009. Principal divulgadora de canções de Violeta Parra largamente conhecidas, como “Gracias a la Vida” e “La Carta” (“Me mandaron una carta/ por el correo temprano/ en esa carta me dicen/ que cayó preso mi hermano (…)/ Por suerte tengo guitarra/ para llorar mi dolor/ también tengo nueve hermanos/ fuera del que se engrilló/ los nueve son comunistas/ con el favor de mi Dios”). Mercedes é frequentemente lembrada como intérprete de músicas como “Te Recuerdo Amanda”, de Víctor Jara, “Canción Para mi América”, de Daniel Viglietti, e “Si se Calla el Cantor”, de Horacio Guaraní.

Mercedes Sosa, com seu tambor, se apresenta no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, em 1982

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frases

  • "Essa voz que canta de tão longe e de tão profundo, notamos, aninha seus códigos naquela pobreza que não perdeu a alegria original. Quando Mercedes está no momento culminante, no salto para o vazio que impõe a suas canções, vê coisas. O que vê? Vê sua mãe lavar e passar para fora uma quantidade infinita de roupa. Vê como uma porção de farinha, misturada com sorrisos em partes iguais, refaz a multiplicação dos pães. A pergunta insiste, reaparece: como, como é possível cantar assim, de tão profundo, de tão longe?" (Rodolfo Braceli, biógrafo da cantora, no prólogo à segunda edição do livro "Mercedes Sosa: La Negra").

    "Mercedes: toda a emoção do continente nos ombros de uma pessoa direta, vivida. O olhar duro pras duras coisas da vida. A rainha do canto de nossa América. Acima de tudo, a grande companheira." (Milton Nascimento, na contracapa do LP A arte de Mercedes Sosa, de 1977).

    "Vi Mercedes atuar uma vez, aqui no Rio. E, sinceramente, ela me tocou pela capacidade de concentração. Quando cheguei em casa não esqueci a cara grave e doce daquela mulher. A voz límpida, a harmonia existente entre o repertório e a pessoa. Ela batendo aquele tambor. Ficou mesmo a impressão de que eu passei a conhecer alguém." (Caetano Veloso, na contracapa do LP A arte de Mercedes Sosa, de 1977).