Os Mutantes

“Eles são o som”, dizia o cartaz de divulgação do primeiro álbum do grupo, lançado em 1968. E que som! Herdeiros do rock psicodélico norte-americano e influenciados pelos Beatles em sua fase Sgt. Pepper’s, o trio formado em São Paulo pela cantora Rita Lee e pelos irmãos Sérgio Dias e Arnaldo Dias Baptista estabeleceu uma ponte inexorável entre o iê-iê-iê e a Tropicália. Pela primeira vez no Brasil, combinaram o sotaque estrangeiro e as guitarras elétricas — que faziam a cabeça dos jovens desde Celly Campello e Ronnie Cord — com a exaltação tupiniquim característica das canções de Gil e Caetano na época.

As guitarras, aliás, eram em boa parte construídas por outro irmão Dias Baptista, o Cláudio César, sempre ávido por inventar engenhocas e efeitos sonoros que servissem aos propósitos criativos do grupo. Para gravar “Bat Macumba“, por exemplo, Cláudio acoplou um motorzinho de máquina de costura à guitarra de Sérgio, criando harmônicos e distorções. Chamou a invenção de “Inferno Verde”.

Aparentemente pouco afeitos a política e festivais, os Mutantes acabariam fazendo história também na música de protesto. Em 1967, subiram ao palco do Festival da Record para tocar “Domingo no Parque” com Gil, e, no ano seguinte, repetiram a experiência com “É Proibido Proibir“, ocasião em que dividiram com Caetano as mais absurdas vaias de suas vidas.

Em ambas as vezes, o trio foi convidado exatamente por causa de sua sonoridade incomum, eletrizante, lisérgica. Tudo graças ao arranjador tropicalista Rogério Duprat, que apresentou os paulistas aos baianos e fez a cena ferver.

Com Os Mutantes, o rock deixava de soar “alienado”, como se dizia da jovem guarda — incluindo Ronnie Von, espécie de padrinho da banda, que sugeriu o nome e a contratou para tocar em seu programa de TV, em 1966 —, para enveredar por caminhos diversos, pendendo às vezes para a contestação e outras para o desbunde.

Tecnicamente, Os Mutantes eram mais do que “o som”, como dizia o cartaz de 1968: eram também a estética, a irreverência, o futuro. Em 1969, o baterista Dinho Leme e o baixista Liminha chegaram para ampliar o grupo e o volume.

Entre as faixas mais famosas estão “Dom Quixote” e “2001“, ambas apresentadas em festivais de 1968 e incluídas no álbum de 1969. A romântica “Ando Meio Desligado“, composta com o auxílio de um baseado de maconha para ser inscrita, às pressas, no 4º Festival Internacional da Canção, de 1969 (ficaria em 10º lugar). E o maior hit de todos, “Balada do Louco“, de 1972. Excêntrica e genial, a banda sobreviveu ao fim da Tropicália, flertou com o rock progressivo (já sem Rita Lee, que saiu em 1972) e fez a transição para o que seria o rock brasileiro dos anos 1970 e 1980.

Os Mutantes, em sua formação ampliada, já com Dinho Leme e Liminha, apresentam ao vivo o sucesso "Ando Meio Desligado"

frases

  • "Associados aos tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil, Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Baptista enfiaram guitarras no 'bat macumba' nacional e instalaram o ponto de vista nerd na incipiente contracultura cabocla. (...) Roqueiros sem caras de bandidos, eles mandaram um abraço para a velharia e casaram anárquicas noivas grávidas com a vanguarda de bermudas, injetando substância na goma de mascar pop. Depois deles, o rock nacional saiu da idade da pedra lascada para a da pedra rolante. E nunca mais criou musgo." (Tárik de Souza, na orelha do livro "A Divina Comédia dos Mutantes", de Carlos Calado, de 1995)

    "Nestas duas décadas em que não mais estiveram juntos, os Mutantes seguiram fazendo a cabeça de fãs e roqueiros de várias gerações. Especialmente nos últimos anos, os clássicos da banda voltaram a ser gravados e interpretados, não só por estrelas da MPB, como Ney Matogrosso, Marisa Monte e Paula Morelenbaum, mas por grupos de rock e pop, como o Pato Fu, o Sepultura e o Ratos de Porão. Esse culto aos Mutantes não se limita apenas ao Brasil. (...) Especialmente em Seattle, onde o grunge rock se estabeleceu como uma tendência dominante no início dos anos 90, os Mutantes são reverenciados sem economia de elogios. (...) Se alguém pode ser chamado de lenda viva do rock brasileiro, esse é Arnaldo Baptista. Ironicamente, ele acabou pagando um preço alto por conseguir sobreviver à própria loucura. Do contrário, hoje seria cultuado como mito, exatamente como um Jim Morrison ou um Raul Seixas." (Carlos Calado, em "A Divina Comédia dos Mutantes", de 1995)