Raul Seixas

Logo na faixa que abre seu primeiro LP solo, Krig-ha, bandolo! (1973), esse baiano excêntrico radicado no Rio de Janeiro, fã de Elvis Presley e Luiz Gonzaga, inventou um inseto-terrorista disposto a se tornar, como o próprio compositor, uma encrenca para os generais. “E não adianta vir me dedetizar/ pois nem o DDT pode assim me exterminar / porque cê mata uma e vem outra em meu lugar”, dizia a letra de “Mosca na Sopa”.

A canção driblou a censura, bem como “Ouro de Tolo”, o hino-desabafo que ironizava a alienação característica de quem se contentava em comprar um corcel zero quilômetro enquanto a violência da repressão se difundia pelo país. O título do disco, no entanto, chamou atenção da polícia, e tanto Raul quanto seu parceiro, o letrista Paulo Coelho, foram levados ao Dops no início de 1974. “O que significa Krig-ha, bandolo!?”, quis saber o policial. “Cuidado com o inimigo!”, respondeu Paulo Coelho, segundos antes de perceber o duplo sentido da frase. Os policiais não acreditaram quando ele jurou que era apenas um grito de guerra proferido por Tarzan nos quadrinhos. “Que inimigo, o governo?”. No DOI-Codi, também perguntaram sobre uma tal Sociedade Alternativa, citada num gibi encartado no álbum. Com esse nome, só podia ser uma organização subversiva, vinculada a algum grupo de esquerda…

A casa de Raul foi invadida por agentes em busca de documentos que comprovassem a existência da sociedade. Paulo Coelho apanhou na prisão. Àquela altura, o segundo álbum de Raul, Gita, já estava na prensa, com uma foto do cantor usando uma boina de Che Guevara na capa e, o que era pior, com a música Sociedade Alternativa, também de Raul e Paulo, com o verso-protesto “faça o que tu queres, pois é tudo da lei”.

“Sociedade Alternativa” foi vetada nos shows, inaugurando não apenas um período de perseguição que renderia duas dezenas de canções censuradas em um par de anos, mas também um autoexílio em Nova York, em julho de 1974. Raul acabaria voltando ao Brasil naquele mesmo ano em razão do sucesso de Gita, com a qual amealhou seis discos de ouro, com mais de 600 mil cópias vendidas.

Documentário Raul Seixas: o início, o fim e o meio (2012), de Walter Carvalho

Um performático Raul Seixas se apresenta no festival Phono 73. Canta "Loteria da Babilônia" e, proibido de executar ou fazer menção a "Sociedade Alternativa", desenha seu símbolo, semelhante a uma chave, no próprio peito:

frases

  • "No dia 24 de maio (de 1974), uma sexta-feira, duas semanas depois da minitemporada em Brasília, Raul telefonou contando que fora intimado a comparecer na segunda-feira seguinte ao Dops a fim de 'prestar esclarecimentos'. Habituado às frequentes convocações para discutir a liberação de músicas para os shows ou discos, ele não parecia assustado, mas por via das dúvidas pediu que o parceiro fosse junto. Assim que desligou o telefone, Paulo indagou ao I Ching se havia algum risco em ir com Raul ao Dops." (Fernando Morais em "O Mago", 2008).

    "Com ele, o iê-iê-iê deixou de ser romântico para tornar-se realista, numa definição de próprio punho. Por um caminho desobediente à genealogia evolutiva da MPB ('a única linha que eu conheço é a de empinar uma bandeira'), o baiano Raul Seixas provou que era possível filosofar em rokenrrol. Brasileiro. (...) Carteirinha número 9 do Elvis Rock Club, de Salvador, Raulzito recusou o megaestrelato condutor do seu ídolo ao excesso de gordura e aos letreiros bovinos de Las Vegas. Foi até o fim aquela metamorfose ambulante autobiografada na música que lhe serviu de slogan e manifesto." (Tárik de Souza em "O baú do Raul", 1992).