Memórias da Ditadura

Carlos Brilhante Ustra (Major Tibiriçá)

Nascido em 1932, Carlos Alberto Brilhante Ustra foi coronel do Exército brasileiro. Entre 1970 e 1974, chefiou o DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo, período em que ficou conhecido como Major Tibiriçá. De acordo com a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, enquanto Ustra esteve à frente do órgão houve 40 mortes em 40 meses, bem como uma denúncia de tortura a cada 60 horas.

Em 2008, Ustra se tornou o primeiro militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça. O Tribunal de Justiça de São Paulo deu ganho de causa à Ação Declaratória da família Teles, que o acusava do sequestro e da tortura de César, Maria Amélia, Criméia, Janaína e Edson Teles, estes últimos com apenas 5 e 4 anos respectivamente. A ação teve como objetivo que o Estado brasileiro declarasse oficialmente que Ustra foi um torturador. A defesa de Ustra apresentou recurso, negado pela Justiça em agosto 2012.

Em junho de 2012, o coronel reformado também foi condenado a indenizar por danos morais a companheira e a irmã de Luiz Eduardo Merlino, morto nas dependências do DOI-Codi em 1971.

O papel central desempenhado por Ustra na repressão a opositores da ditadura veio à tona em 1986, quando a então deputada Bete Mendes, hoje atriz, reconheceu-o no Uruguai, onde ocupava o posto de adido militar do governo José Sarney. Bete Mendes solicitou sua exoneração, que foi negada. Em resposta, o ex-chefe do DOI-Codi lançou, no ano seguinte, o livro “Rompendo o silêncio”, sobre sua passagem pelo órgão. Mais tarde, em 2006, publicou “A verdade sufocada”.

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 2013, o militar negou que tivesse cometido algum crime durante o período e acusou a presidenta Dilma Rousseff de ter integrado quatro grupos terroristas. À mesma comissão, o ex-sargento do Exército Marival Chaves afirmou que Ustra era “o senhor da vida e da morte” no DOI-Codi. Durante a vigência da CNV, em 31 de março de 2014, militantes do Levante Popular da Juventude, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizaram um ato de “escracho” em frente a sua casa.

O coronel Ustra morreu no dia 15 de outubro de 2015, aos 83 anos, no hospital Santa Helena, em Brasília, internado com um câncer. Sua morte aparentemente serena, impune e ao lado da família se contrastou com a angústia dos familiares de desaparecidos na ditadura, que até hoje não puderam velar seus entes queridos, nem completar a travessia do luto. O velório de Ustra foi aberto para as Forças Armadas e entre 20 a 30 oficiais estiveram presentes em caráter privado. Um general da ativa foi visto por jornalistas portando um crachá do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Na ocasião, a assessoria de imprensa do exército cuidou de afastar os repórteres de outros veículos, bloquear o acesso e orientar aos familiares do coronel.

No fim da sua vida, com o desenrolar da CNV, o coronel Ustra teria dito que se sentia “abandonado pelas Forças Armadas”. Contudo, no dia 26 de outubro, a 3ª Divisão do Exército realizou solenidade militar oficial em homenagem póstuma ao torturador.

Em 17 de abril 2016, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP/RJ) homenageou o coronel Ustra em seu voto pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, gerando revolta das vítimas da ditadura e repercutindo na mídia internacional. A OAB do Rio de Janeiro registrou um pedido de cassação do deputado por quebra de decoro e apologia à tortura, crime considerado inafiançável de lesa-humanidade.

Depoimento de Ustra à Comissão Nacional da Verdade

Audiência na Comissão Estadual da Verdade de São Paulo sobre processos das famílias Teles e Merlino contra Ustra

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frases

  • “Com muito orgulho, cumpri minha missão. Portanto, creio quem é que deve estar aqui não é o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. É o Exército Brasileiro, que assumiu, por ordem do presidente da República, a ordem de combater o terrorismo e sob os quais eu cumpri todas as ordens, ordens legais, nenhuma ordem ilegal.”

    “Todas as organizações terroristas, e mais de 40 eram elas, em todos os seus programas, está lá escrito claramente: o objetivo final é a instalação de uma ditadura do proletariado, do comunismo. […] Inclusive nas quatro organizações terroristas que a nossa atual presidente da República [Dilma] pertenceu.”

    “O dever? Era impedir que a luta armada vencesse e introduzisse o comunismo no Brasil, conforme eles estavam programados para fazer. Sim, esse era o nosso dever.”

  • “Em 1985, ao acompanhar o presidente Sarney em viagem oficial ao Uruguai, tive o choque de encontrar com o entrevistado (Ustra) como adido militar. (...) Foi meu dever denunciar ao presidente Sarney e à nação brasileira esse torturador, que estava representando o Brasil — situação que considero inadmissível.”, Bete Mendes, atriz, ex-guerrilheira (na época, exercia mandato de deputada federal).

    “Eu fui torturada pelo Ustra praticamente no primeiro minuto que cheguei ao pátio da Oban. Vendo o Danielli sendo espancado, levando chutes, já ali no pátio, o César sendo torturado, eu falei alguma coisa no sentido de fazer um apelo, que não era possível tratar um ser humano daquela forma. Ele, com as costas da mão, me deu um safanão no rosto, me jogando no chão, gritando: ‘foda-se’!”, Amélia Teles, ex-presa política, integrante da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo.

    “Ustra comandou um dos maiores centros de tortura e extermínio do país. (...) Eles (torturadores) não poderiam ser anistiados. Quer crime de sangue maior do que torturar uma pessoa? Não existe.”, Ivan Seixas, ex-preso político, integrante da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo.

    “Um capitão (Ustra) era naquela ocasião senhor da vida e da morte. Não tenho dúvida que ele torturava, porque ele circulava pela área de interrogatório, especialmente quando tinham presos importantes sendo interrogados. Vi ele lá, por exemplo, na antessala do interrogatório, aguardando o momento de serem chamados o Vladimir Herzog e Paulo Markun.”, ex-sargento Marival Chaves, DOI-Codi/SP.

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